O Divino Dom da Gratidão
Thomas S. Monson
Minha mãe disse-me certa vez: “Tommy, estou muito orgulhosa do que você tem feito; mas tenho um comentário sobre isso. Você devia ter continuado com as aulas de piano”.
Então, fui até o piano e toquei uma música para ela: “Lá-lá-lá-ri-lá, [lá vamos nós] a uma festa de aniversário”.1 Então, dei-lhe um beijo na testa e ela me deu um abraço.
Penso nela. Penso em meu pai. Penso em todas as Autoridades Gerais que me influenciaram, e em outros, inclusive nas viúvas a quem visitei — 85 delas — levando um frango para assar, às vezes um dinheirinho para elas.
Visitei uma delas tarde da noite. Era meia-noite e fui até o lar dos idosos, e a recepcionista disse: “Com certeza, ela está dormindo”, mas disse-me para não deixar de acordá-la, porque ela tinha dito: “Sei que ele virá”.
Segurei a mão dela; ela chamou-me pelo nome. Estava bem acordada. Apertou minha mão contra os lábios e disse: “Sabia que você viria”. Como eu poderia faltar?
A bela música enternece meu coração.
Meus amados irmãos e irmãs, ouvimos mensagens inspiradas sobre verdade, esperança e amor. Nossos pensamentos se voltaram para Ele, que expiou nossos pecados, que nos mostrou como viver e como orar, e que demonstrou com Suas ações as bênçãos do serviço — sim, nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo.
No livro de Lucas, capítulo 17, lemos a Seu respeito:
“E aconteceu que, indo ele a Jerusalém, passou pelo meio de Samaria e da Galileia;
E, entrando numa certa aldeia, saíram-lhe ao encontro dez homens leprosos, os quais pararam de longe;
E levantaram a voz, dizendo: Jesus, Mestre, tem misericórdia de nós.
E ele, vendo-os, disse-lhes: Ide, e mostrai-vos aos sacerdotes. E aconteceu que, indo eles, ficaram limpos.
E um deles, vendo que estava são, voltou glorificando a Deus em alta voz;
E caiu aos seus pés, com o rosto em terra, dando-lhe graças; e este era samaritano.
E, respondendo Jesus, disse: Não foram dez os limpos? E onde estão os nove?
Não houve quem voltasse para dar glória a Deus senão este estrangeiro?
E disse-lhe: Levanta-te, e vai; a tua fé te salvou”.2
Por meio de intervenção divina, aqueles leprosos foram poupados de uma morte lenta e cruel, recebendo nova oportunidade de vida. A gratidão que um deles expressou conquistou a bênção do Mestre; a ingratidão dos outros nove deixou-O desapontado.
Meus irmãos e irmãs, será que nos lembramos de agradecer pelas bênçãos que recebemos? Uma expressão sincera de agradecimento não apenas nos ajuda a reconhecer nossas bênçãos, mas também abre as portas do céu e nos ajuda a sentir o amor de Deus.
Meu amado amigo, o Presidente Gordon B. Hinckley, disse: “Quando a pessoa é grata, não se porta com arrogância, presunção nem egoísmo. Ela tem um espírito de gratidão que lhe é típico. Esse espírito abençoará a vida de cada um”.3
No livro de Mateus, na Bíblia, lemos outro relato a respeito da gratidão, dessa vez expressa pelo Salvador. Ao viajar pelo deserto por três dias, mais de 4.000 pessoas O seguiram e viajaram com Ele. Ele teve compaixão delas, porque talvez não tivessem comido durante todos os três dias. Seus discípulos, porém, perguntaram: “De onde nos viriam, num deserto, tantos pães, para saciar tal multidão?” Assim como muitos de nós, os discípulos só viram o que faltava.
“Jesus disse-lhes: Quantos pães tendes? E [os discípulos] disseram: Sete, e uns poucos de peixinhos.
Então [Jesus] mandou à multidão que se assentasse no chão,
E, tomando os sete pães e os peixes, e dando graças, partiu-os, e deu-os aos seus discípulos, e os discípulos à multidão”.
Observem que o Salvador deu graças pelo que tinham — e um milagre aconteceu em seguida. “E todos comeram e se saciaram; e levantaram, do que sobejou, sete cestos cheios de pedaços.”4
Todos já passamos por situações em que nos concentramos no que faltava, em vez de pensar em nossas bênçãos. O filósofo grego Epiteto disse: “Sábio é o homem que não se entristece pelas coisas que não tem, mas se regozija nas que tem”.5
A gratidão é um princípio divino. O Senhor declarou, por meio de revelação dada ao Profeta Joseph Smith:
“Agradecerás ao Senhor teu Deus em todas as coisas. (…)
E em nada ofende o homem a Deus ou contra ninguém está acesa sua ira, a não ser contra os que não confessam sua mão em todas as coisas e não obedecem a seus mandamentos”.6
Lemos no Livro de Mórmon: “Que vivais rendendo graças diariamente pelas muitas misericórdias e bênçãos que [Deus] vos concede”.7
Independentemente das circunstâncias, todos temos muito pelo que agradecer, se simplesmente pararmos para contar nossas bênçãos.
Esta é uma época maravilhosa para viver na Terra. Embora haja muita coisa errada no mundo atual, há muitas coisas justas e boas. Há casamentos bem-sucedidos, pais que amam os filhos e se sacrificam por eles, amigos que se preocupam conosco e nos ajudam, professores que ensinam. Nossa vida é abençoada de incontáveis maneiras.
Podemos elevar-nos e elevar nossos semelhantes quando nos recusamos a ter pensamentos negativos e cultivamos a gratidão. Se por um lado a ingratidão se acha na lista dos pecados graves, por outro, a gratidão faz parte das virtudes mais nobres. Alguém disse que “a gratidão é não somente a maior das virtudes, mas a mãe de todas elas”.8
Como podemos cultivar no coração um espírito de gratidão? O Presidente Joseph F. Smith, sexto Presidente da Igreja, deu-nos a resposta. Ele disse: O homem grato vê no mundo muitas coisas pelas quais deveria agradecer, e para ele o bem supera o mal. O amor derrota a inveja, e a luz expulsa as trevas de sua vida. E continuou: O orgulho destrói nossa gratidão e a substitui pelo egoísmo. Somos muito mais felizes na presença de uma alma grata e amorosa, e devemos ser muito cuidadosos ao cultivar, por meio de uma vida fervorosa, um espírito de gratidão para com Deus e para com o homem!9
O Presidente Smith disse que uma vida fervorosa é o ponto-chave para a gratidão.
Será que as posses materiais nos tornam felizes e gratos? Talvez momentaneamente. Contudo, as coisas que nos dão profunda felicidade e gratidão são aquelas que o dinheiro não pode comprar: a família, o evangelho, os bons amigos, a saúde, nossas aptidões e o amor que recebemos das pessoas a nossa volta. Infelizmente, essas são algumas das coisas às quais nem sempre damos o devido valor.
O escritor inglês Aldous Huxley escreveu: “A maioria dos seres humanos tem uma capacidade quase infinita de não dar valor ao que tem”.10
Em geral damos pouco valor exatamente àquelas pessoas que mais merecem nossa gratidão. Não esperemos até ser tarde demais para expressar essa gratidão. Ao falar de entes queridos que perdeu, certo homem declarou seu remorso desta forma: “Lembro-me daqueles dias felizes, e frequentemente desejaria poder expressar aos mortos a gratidão que lhes era devida quando vivos, e que foi tão pouco retribuída”.11
A perda de entes queridos quase inevitavelmente traz ao nosso coração algum remorso. Minimizemos esses sentimentos o mais que pudermos, expressando-lhes com frequência nosso amor e gratidão. Nunca saberemos quando será tarde demais.
Um coração grato, portanto, advém de se expressar gratidão a nosso Pai Celestial por Suas bênçãos e às pessoas ao nosso redor por tudo o que elas nos proporcionam. Isso exige um esforço consciente — ao menos até que aprendamos realmente e cultivemos um espírito de gratidão. Frequentemente nos sentimos gratos e temos a intenção de expressar nossa gratidão, mas esquecemos, ou nem sempre chegamos a fazê-lo. Alguém disse que “sentir gratidão e não expressá-la é como embrulhar um presente e não entregá-lo”.12
Quando encontramos desafios e problemas na vida, em geral é difícil concentrar-nos em nossas bênçãos. Contudo, se buscarmos no fundo da alma e procurarmos direito, vamos sentir e reconhecer quantas coisas já recebemos.
Quero contar-lhes o relato de uma família que conseguiu descobrir bênçãos em meio aos desafios mais difíceis. É uma história que li há muitos anos e guardei comigo por causa da mensagem que ela transmitia. Foi escrita por Gordon Green e apareceu em uma revista americana há mais de 50 anos.
Gordon conta que foi criado em uma fazenda no Canadá, onde ele e os irmãos tinham de correr para casa, ao saírem da escola, enquanto as outras crianças ficavam jogando bola ou iam nadar. O pai, porém, conseguiu ajudá-los a compreender que o trabalho deles era importante. Isso se confirmava principalmente na época da colheita, quando a família comemorava o Dia de Ação de Graças, porque nesse dia o pai dava-lhes um grande presente. Ele fazia um levantamento de tudo o que tinham.
Na manhã do Dia de Ação de Graças, ele os levava até o porão onde havia barris de maçãs, caixas de beterrabas, cenouras armazenadas na areia e montanhas de batatas ensacadas, além de ervilhas, milho, vagem, geleias, morangos e outras conservas que enchiam as prateleiras. Ele fazia com que os filhos contassem tudo cuidadosamente. Depois, saíam para o celeiro e calculavam quantas toneladas de feno havia ali, e quantas sacas de trigo havia na tulha. Contavam as vacas, os porcos, as galinhas, os perus e os gansos. O pai dizia que queria verificar em que pé estavam as coisas, mas os meninos sabiam que a intenção dele era que eles percebessem, naquele dia de festa, quão abundantemente Deus os havia abençoado e feito frutificar suas horas de trabalho. Por fim, quando se sentavam para comer o banquete que a mãe preparara, podiam realmente sentir as bênçãos que possuíam.
Gordon contou, porém, que o Dia de Ação de Graças de que se lembrava com mais gratidão foi o do ano em que parecia não terem nada pelo que agradecer.
O ano começou bem. Havia-lhes sobrado feno, tinham muitas sementes e quatro ninhadas de porcos; e o pai reservara um pouco de dinheiro para poder comprar uma empilhadeira de feno — uma máquina maravilhosa que a maioria dos fazendeiros apenas sonhava em ter. Foi também o ano em que a energia elétrica chegou a sua cidade — embora não para eles, porque não tinham como pagar.
Certa noite, quando a mãe de Gordon estava lavando a roupa, o pai assumiu o lugar dela no tanque e pediu à esposa que descansasse e pegasse seu tricô. Ele disse: “Você passa mais tempo lavando roupa do que dormindo. Não acha que deveríamos usar todo o dinheiro que temos e instalar energia elétrica?” Embora entusiasmada com a possibilidade, ela verteu lágrimas ao pensar na empilhadeira de feno que ele deixaria de comprar.
E assim, foram instalados fios elétricos na rua deles naquele ano. Embora nada fosse sofisticado, compraram uma máquina de lavar roupa que funcionava sozinha o dia inteiro, e penduraram lâmpadas bem claras no teto de cada cômodo. Não havia mais lampiões para encher de óleo, pavios para cortar ou chaminés cheias de fuligem para lavar. Os lampiões foram discretamente levados para o sótão.
A chegada da energia elétrica à fazenda foi quase a última coisa boa que lhes aconteceu naquele ano. Assim que as plantações começaram a brotar, começaram as chuvas. Quando as águas finalmente baixaram, não havia restado uma única planta em lugar algum. Plantaram de novo, mas as chuvas mais uma vez destruíram as plantações. As batatas apodreceram na lama. Venderam, a preços muito baixos, algumas vacas e todos os porcos e outros animais que pretendiam manter, porque todos tiveram que fazer o mesmo. Tudo o que colheram naquele ano foi um canteiro de nabos que conseguiu sobreviver às tempestades.
Então, chegou novamente o Dia de Ação de Graças. A mãe disse: “Talvez seja melhor não fazermos nada este ano. Não nos restou nem sequer um ganso”.
Na manhã do Dia de Ação de Graças, porém, o pai de Gordon apareceu com uma lebre e pediu que a esposa a preparasse. Ela começou a tarefa de má vontade, dizendo que levaria muito tempo para cozinhar aquele animal velho. Quando o prato foi finalmente posto na mesa, com um pouco dos nabos que restaram, os filhos se recusaram a comer. A mãe de Gordon se pôs a chorar, mas então o pai fez uma coisa estranha. Subiu até o sótão, pegou um lampião a óleo, trouxe-o até a mesa e o acendeu. Mandou os filhos apagarem as luzes elétricas. Quando restava apenas o lampião aceso, eles mal puderam crer que antes fosse tão escuro. Ficaram se perguntando se teriam enxergado alguma coisa sem as luzes brilhantes possibilitadas pela eletricidade.
O alimento foi abençoado, e todos comeram. Quando o jantar chegou ao fim, todos ficaram ali sentados em silêncio. Gordon escreveu:
“Na humilde penumbra do velho lampião, começamos a ver claramente de novo. (…)
Foi uma refeição excelente. A lebre teve gosto de peru, e os nabos foram os mais gostosos de que consigo lembrar. (…)
Nosso lar (…) apesar de tudo o que faltava, era extremamente rico para nós”.13
Meus irmãos e irmãs, é amável e honroso expressar gratidão. É generoso e nobre agir com gratidão; mas quando vivemos sempre cheios de gratidão no coração, tocamos o céu.
Ao encerrar meu discurso de hoje, é minha oração que, além de todas as coisas pelas quais somos gratos, demonstremos sempre nossa gratidão por nosso Senhor e Salvador, Jesus Cristo. Seu glorioso evangelho responde às maiores perguntas da vida: De onde viemos? Por que estamos aqui? Para onde vai nosso espírito quando morremos? Esse evangelho leva a luz da verdade divina aos que vivem nas trevas.
Ele nos ensinou a orar. Ele nos ensinou a viver. Ele nos ensinou a morrer. Sua vida é um legado de amor. Curou os enfermos, ergueu os abatidos, salvou os pecadores.
Por fim, ficou sozinho. Alguns Apóstolos duvidaram; um deles O traiu. Os soldados romanos Lhe trespassaram o lado. A multidão raivosa tirou-Lhe a vida. Mas ainda ressoam do monte do Calvário estas Suas palavras compassivas: “Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem”.14
Quem era aquele “homem de dores, e experimentado nos trabalhos?”15 “Quem é este Rei de glória”,16 aquele Senhor dos senhores? Ele é nosso Mestre. É nosso Salvador. É o Filho de Deus. É o Autor de nossa salvação. Ele convida: “Vinde após mim”.17 Instrui: “Vai, e faze da mesma maneira”.18 Roga: “Guardai os meus mandamentos”.19
Vamos segui-Lo. Vamos imitar Seu exemplo. Vamos obedecer a Suas palavras. Ao fazê-lo, daremos a Ele a divina dádiva da gratidão.
Minha sincera e profunda oração é que demonstremos em nossa vida pessoal essa maravilhosa virtude da gratidão. Que ela permeie nossa alma, agora e para sempre. No sagrado nome de Jesus Cristo, nosso Salvador. Amém.
(Discurso da 180° conferencia geral de 2010)